Maria a mãe de Deus I
Luis A R Branco
Já há algum
tempo que tenho interesse de escrever sobre Maria, a mãe de Jesus. No
entanto, a intenção não é fazer uma abordagem teológica sobre Maria, nem
tão pouco tratar da doutrina mariana dos católicos romanos. Acredito
que já há material suficiente tanto do lado católico como do lado
protestante que tratam desta perspectiva doutrinária, e escrever sobre
este assunto traria pouco ou nenhuma novidade ao que já existe.
Resolvi
portanto, publicar este pequeno ensaio por partes, no desejo de observar
a Maria narrada nas Escrituras Sagradas, uma história que tem seu
início com uma jovem simples, pobre, que vivia numa região de pouca
importância naqueles dias, e que se viu envolvida por Deus na mais
fascinante história da humanidade.
Meu desejo é
aprendermos com Maria, tanto com a sua felicidade como com a sua
infelicidade, tanto com o grande privilégio que teve de ser a mãe do
Messias como com a desventura de vê-lo padecer numa cruz romana, tanto
com a tristeza da sua morte como com a alegria da sua ressurreição.
Certamente que para Maria, lidar com a divindade e humanidade de Cristo
não foi uma tarefa fácil e que por vezes a levou a ter atitudes
confusas.
Que ao concluir
esta leitura você possa se encontrar mais enriquecido não apenas no seu
conhecimento bíblico, mas acima de tudo, enriquecido em sua vida
espiritual.
Um dos textos mais surpreendentes sobre o chamado e a missão de Maria foi registado pelo Evangelista Lucas:
“Quando Isabel
estava grávida de seis meses, Deus mandou o anjo Gabriel a Nazaré, na
província da Galileia, para falar com uma virgem chamada Maria que
estava noiva de José, descendente do rei David. O anjo aproximou-se dela
e disse-lhe: «Eu te saúdo, ó escolhida de Deus. O Senhor está contigo.»
Maria ficou perturbada com estas palavras e perguntava a si própria o
que queria dizer aquela saudação. Então o anjo continuou: «Não tenhas
medo, Maria, pois foste abençoada por Deus. Ficarás grávida e terás um
filho, a quem vais pôr o nome de Jesus. Ele será grande e será chamado o
Filho do Deus altíssimo. O Senhor Deus lhe dará o trono do seu
antepassado David. Governará para sempre os descendentes de Jacob e o
seu reinado não terá fim.»
Maria perguntou
então ao anjo: «Como é que isso pode ser, se nunca tive marido?» O anjo
respondeu-lhe: «O Espírito Santo descerá sobre ti e o poder do Deus
altíssimo te envolverá com a sua sombra. Por isso, o que vai nascer é
santo e será chamado Filho de Deus. Também a tua parente Isabel vai ter
um filho, apesar da sua muita idade. Dizia-se que era estéril, mas já
está no sexto mês. É que para Deus não há nada impossível.» Maria disse
então: «Eu sou a serva do Senhor. Cumpra-se em mim a tua palavra.» E o
anjo retirou-se.”
Lucas 1:26-38 (a BÍBLIA para todos)
Surge neste
texto um ponto de tensão sobre a terminologia “Maria, mãe de Deus”.
Embora a terminologia não apareça explicita no texto, ela é uma
realidade implícita. Os católicos utilizam-se da expressão sem qualquer
dificuldade, tendo em vista a teologia mariana, já alguns evangélicos
demonstram dificuldades com o termo, por discordarem que Maria tenha
sido a mãe de Deus, mas sim a mãe de Jesus, em seu estado humano.
O Credo de
Chalcedon (ou Chalcedon da Fé), que surgiu em 451d.C., e que tratou
entre outras coisas, da natureza divina e humana de Jesus, foi onde
surgiu pela primeira vez o termo “Maria, a mãe de Deus”.[1] Se desejamos
compreender a frase precisamos entender o que foi tratado naquele
concílio a este respeito. Em primeiro lugar, é importante entender que o
Concílio de Chalcedon usou a frase não em uma honra especial à Maria,
mas para enfatizar a divindade de Jesus. O sentido original em que este
termo surgiu, tinha por propósito mostrar que Maria foi a mãe de Deus,
porque a natureza humana de Cristo estava tão unida a sua natureza
divina que era praticamente impossível traçar uma linha divisória entre
estas naturezas. Elas foram milagrosamente unidas no útero de Maria.
Portanto, dentro deste contexto, a frase, “Maria, a mãe de Deus”, não é
contraditório.
Em Lc 1:26-27
lemos que o anjo Gabriel foi “…enviado por Deus a uma cidade da
Galileia, chamada Nazaré, a uma virgem, desposada, com um varão cujo
nome era José, da casa de Davi, e o nome da virgem era Maria.” Estes
dois versos têm alguns pontos interessantes: (1) Deus não erra a morada,
ele é específico em tudo o que faz. Quando Deus faz, sabemos que foi
ele quem fez! (2) Ao descrever a linhagem de José, e Maria era também
descendente de Davi, o texto nos mostra a linha messianica de Jesus
também a partir de Maria..
A saudação do
anjo a Maria, em Lc 1.28, tem por objectivo mostrar que Deus atingiu o
seu alvo, realizou o seu propósito, que Maria era ninguém menos do que
aquela pessoa cuidadosamente escolhida por Deus para fazer parte dos
decretos eternos de Deus. O termo, “o Senhor é contigo” nos leva a
deduzir que se havia alguma graça em Maria, estava no facto do Senhor
estar com ela, e nunca dela mesma. Já o termo, “bendita és tu entre as
mulheres”, reforça o entendimento de que a graça de Maria não era outra,
se não terrena. Ela era de facto bendita, mas entre as mulheres, e não
entre a Santíssima Trindade, como se propõe no romanismo. Ela foi uma
mulher que “achou graça diante de Deus” (Lc 1:30), e não um ser
especial, de uma natureza sub-divina, ou quase divina.
Em Lc 1:31-33
observamos o evangelista a descrever a identidade de Jesus, “Filho do
Altíssimo”, e também que ele “reinará eternamente”. Não sei o quão longe
conseguimos ir no entendimento destas descrições. Só haveria uma forma
desta criança ser da forma como o anjo a descreve, se ela nascesse por
vias do próprio Deus. E vemos que foi exactamente isto que aconteceu,
veja o que Maria diz em Lc 1:34: “Como se fará isso, visto que não
conheço varão?” O que Maria iria experimentar nos próximos meses seria
simplesmente algo maravilhoso e além da capacidade humana de
compreensão.
Somente em três
momentos na história humana observamos Deus de forma tão profunda
ultrapassando a barreira invisível e intangível, atravessando os limites
do mundo espiritual e tocando no mundo físico: na criação do homem (Gn
2:7); na escrita do Decálogo (Ex 31:18); e na concepção de Jesus no
ventre de Maria (Lc 1:35). Em Lc 1:35 o evangelista descreve como seria a
concepção de Jesus: “Descerá sobre ti o Espírito Santo, e a virtude do
Altíssimo te cobrirá com a sua sombra; pelo que também o Santo, que de
ti a de nascer, será chamado Filho de Deus.” a Santíssima Trindade
esteve completamente envolvida neste processo. Só Deus poderia realizar
algo tão maravilhoso.
Em Lc 1:38
observamos que embora Maria não tivesse capacidade, e nem nós temos, de
compreender este processo, ela simplesmente diz: “Eis aqui a serva do
Senhor; cumpra-se em mim segundo a tua palavra.” A vontade de Deus só
pode ser realizada na vida de servos, não de outras pessoas. Isto nos
reverte para a humanidade de Maria, ela era apenas uma serva, todo o
milagre, só Deus seria capaz de realizar. Se desejamos ver as promessas
de Deus se cumprirem em nossas vidas, precisamos assim como Maria,
aprendermos a nos entregar totalmente e nos tornarmos servos do Deus
Altíssimo.
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